Um uníssono “Não, ninguém pediu!” foi dado como resposta às autoridades
presentes ontem pela manhã à terceira e última audiência pública realizada para
discutir a situação de mais de 1.600 famílias de Barcarena - que residem,
segundo o Governo do Estado, em áreas projetadas para receber somente
indústrias -, quando uma das líderes do Grupo de Trabalho criado para defender
o interesse dos moradores, Cleide Monteiro, questionou aos cerca de 350
presentes se eles queriam deixar suas casas. O secretário Especial de
Desenvolvimento Econômico e Incentivo à Produção, Sidney Rosa, que participou
do encontro, foi vaiado mais de uma vez quando avisou, em tom rígido, que os
envolvidos no processo não devem esperar por “indenizações faraônicas” e que
não deixará a minoria prejudicar o interesse da maioria. “Nós não vamos
resolver o [problema] de 100% [das famílias], eu tenho clareza disso”, admitiu.
Marcada para iniciar às 8h, na Arena do Seu Mineiro, na zona industrial
de Barcarena, a audiência começou quase às 10h, graças ao atraso do secretário,
do prefeito municipal, Antônio Vilaça (PSC), e do Promotor de Justiça do
município, Daniel Azevedo, que de última hora foi anunciado como representado
pelo Ministério Público Federal (MPF) - esse, por sua vez, enviou o assessor
especial Lucivaldo Barros, representando o Procurador Geral da República, Bruno
Valente, e que desde o início deixou claro que estava ali apenas para repassar
os encaminhamentos firmados aos seus superiores, e que o MP estava atento aos
trâmites.
ABANDONO
Petronilo Alves, principal liderança do GT, deu início aos trabalhos e
pediu a todos os presentes calma para dar continuidade ao processo, mas sem
eximir da responsabilidade aqueles que respondem por ele. “Todas as esferas
governamentais terão de se empenhar para resolver isso. Esperávamos que as
empresas enviassem seus representantes e lamentamos que as autoridades
presentes não tenham feito esse convite”, discursou, sem receber qualquer
resposta sobre a indagação.
O microfone rodou primeiro entre as lideranças comunitárias. Lúcio
Negrão, da Comunidade Dom Manoel, tida como a mais crítica de todas por estar
imprensada por dois pátios industriais, pediu ajuda lembrando a missão de
gestor público de cada uma das autoridades presentes. “Vocês não tem culpa do
que já foi feito, mas tem a responsabilidade de consertar a série de erros
históricos cometidos aqui. Por favor, nos deem encaminhamentos práticos”,
apelou o morador. Representantes de outras comunidades engrossaram o caldo e
lembraram que não é só a situação de remanejamento habitacional que aflige a
população: iluminação precária, a poluição dos rios que espanta os peixes,
estradas precisando de reparos, em especial a PA-483, que compõe o complexo da
Alça Viária, foram citadas em meio às queixas.
DRAMA
No domingo, o DIÁRIO, mostrou a situação dramática vivida por 12
comunidades instaladas em um raio de influência de três quilômetros de fábricas
como Alunorte, a Albras, a Alubar, a Imerys, a Usipar, a Bunge, a Votorantim, a
Tecop e a Buritirama. Sete delas informaram ao DIÁRIO estar com suas licenças
de funcionamento em dia.
A própria Sema, por sua vez, admitiu o rigor falho na fiscalização da
atuação das indústrias, e que se baseia no próprio relatório de
automonitoramento das empresas.
Estado empurra solução para o Minha Casa, Minha Vida
Noêmia Jacob, presidente da Cohab, informou que o Governo do Estado e o
Ministério das Cidades buscam uma solução inédita dentro do Minha Casa, Minha
Vida, segundo ela, por conta das especificidades do caso: de fazer com que o
Estado assuma a contrapartida do beneficiário, que pode ser de R$ 25 ou de 5%
do valor do imóvel. “O beneficiário só é isento do pagamento quando o
remanejamento é motivado por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
e não é o caso aqui. Só saberemos de quanto será esse impacto para o Governo
quando soubermos de fato quem vai para o conjunto”, explicou.
Foi confirmado que o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) busca um
terreno para receber aqueles que vivem em propriedades rurais, visto que o
conjunto habitacional atende basicamente as necessidades de quem reside na área
urbana. “Todo mundo vai sair 100% feliz? É provável que não. Mas nós
tentaremos. Não entregaremos as casas e pronto, haverá uma atuação técnico-social
envolvendo esse processo, que é uma prerrogativa do próprio programa do Governo
Federal para que sejam identificados os tipos de capacitação que aquelas
pessoas precisam, para que possam se manter ali. Se já há escolas e postos de
saúde suficientes para atender essa nova demanda”, detalhou Noêmia.
Até a primeira quinzena de agosto será oficialmente apresentada a
proposta para a composição do Conjunto Habitacional, enquanto que a proposta
dos assentamentos para quem vive de algum tipo de plantio só será conhecida
pela população em setembro, também até o dia 15. O GT acordou de se reunir no
dia 22 desse mês para criar uma agenda que visa contribuir com o trabalho da
Cohab para realizar todos os levantamentos necessários. “Eu vejo uma enorme
possibilidade de se resolver isso. As pessoas que vieram para essa área fazer
sua casa, seu barraco ou sua mansão, vieram sabendo que essas eram áreas da
[Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Pará] CDI, então que
jamais teriam o título dessas terras. Quem for beneficiário do CH ou do
assentamento, com o Estado pagando ou não, precisa entender que está inserido
em uma negociação. As comunidades mais tradicionais que quiserem e puderem
ficar onde estão, ficarão. Ou seja, nós estamos em busca de uma solução, e
vamos apresentar uma em cima do que achamos ser justo, lógico, e queremos
sempre o MPE e o MPF ao nosso lado nesses avanços”, reforçou Rosa.
“E eu não vou desenterrar defunto de (19)75”, disse a um morador que
gritou, em meio ao discurso do secretário, que já havia gente morando nos
terrenos quando as indústrias chegaram. Vilaça garantiu que “o governo vai
remanejar, e que a prefeitura vai cuidar. Ninguém ficará abandonado. Vocês
sabem onde me achar, me cobrem”, finalizou o prefeito.